3 de julho de 2015

BIOGRAFIA DE JOÃO DE CAMARGO


Onde situar Nhô João ?
Como todos os homens, Nhô João nasceu, viveu e morreu, cumprindo o ciclo comum. Teve uma trajetória, fez suas opções, em determinado momento de sua vida elegeu suas convicções e passou a viver de acordo com elas. Como pode acontecer com todos os homens , teve seus momentos de dúvidas, desesperos, enganos, erros e desacertos, até encontrar um caminho que considerou correto e trilhou por ele, sem medo e sem duvidar da força da fé. 
Contrariou padrões estabelecidos, penou por isso, mas ninguém pode duvidar da autenticidade poderosa de sua fé e da encantadora singeleza de sua mensagem universal. Sem discriminar ninguém, a todos atendendo com bondade, Nhô João vivenciou um mundo plural, que tem lugar para todos os homens viverem em união; que tem lugar para todas as crenças; que tem lugar para todas as correntes de opinião, mesmo aquelas professadas pelos que a combateram. Tratou seus detratores com doçura, não se sabendo de mal que tenha tido origem em seu coração. Sua mensagem pode ser entendida em resumo como a prática da caridade e o exercício da fé em Deus. Este trabalho não pretende ser um ensaio filosófico, mas é impossível deixar de fazer algumas relações e associações ao analisarmos alguns aspectos da existência de João de Camargo Barros.
Segundo Jostein Gaarder, autor de "O Mundo de Sofia", o existencialismo - corrente de pensamento que entende ser o homem na sua existência concreta o objeto próprio da reflexão filosófica - foi iniciado pelo filósofo dinamarquês Sören Aabye Kierkegaard ( 1813/1855 ). Uma vez condenado à liberdade, surge o homem como arquiteto de seu destino, embora submetido a limitações concretas. Existencialista cristã, para Kierkegaard a questão da fé é uma das mais importantes da existência humana, notadamente a fé religiosa. Em sua opinião, não se pode nem se deve entender Deus objetivamente, pois a questão da fé em Deus e na ressurreição de Jesus Cristo é eminentemente subjetivo. Ou seja, Gaarder ensina que, na contramão de outras correntes de opinião que tentaram provar a existência de Deus pela razão, Kierkegaard acha que se queremos entender Deus objetivamente é porque não cremos, e só cremos porque não podemos entender objetivamente. Ou seja, lançar-se em busca dessa verdade, a crença na existência de Deus - ou, no caso dos cristãos, acreditar que efetivamente Jesus Cristo ressuscitou no Domingo de Páscoa -, é uma questão crucial e estritamente pessoal com a qual todo indivíduo vai ter que se deparar em algum momento de sua vida. É esse crer ou não crer que faz a diferença para Kierkegaard, para quem, se cremos, não temos alternativa senão irmos fundo nessa fé religiosa, vivenciando-a às últimas conseqüências.
Kierkegaard, a partir de uma perspectiva cristã, também dividiu a existência humana em três estágios possíveis: estético, ético e religioso. Ele utiliza o termo estágios por comportar a possibilidade de transmigração de um para outro em determinados momentos.
No estágio estético, o indivíduo vive em função de seus prazeres, do que é sensorialmente agradável e propicia algum tipo de prazer. Ao mesmo tempo em que extrai prazer dessa vivência intensamente lúdica, Kierkegaard acredita que o indivíduo vira uma espécie de escravo de seus próprios desejos. No limiar da passagem para o estágio ético, o ser sente a necessidade de adotar decisões mais consistentes na esfera pessoal, cientificando-se da gravidade da vida. É o momento em que as decisões são tomadas não para a satisfação do prazer física ou não, mas sim obedecendo a parâmetros éticos rigorosos. Kierkegaard afirma ser possível um retorno do indivíduo ao estágio estético no final da existência, oportunidade em que - cansado de levar a vida a sério demais e vislumbrado o fim próximo - retorna a priorizar os aspectos lúdicos da vida. Porém, acredita Kierkegaard, pode acontecer, para pouquíssimas pessoas, uma sublimação, com o salto de qualidade do estágio ético para o religioso, que o filósofo interpreta como a vivência integral do cristianismo em todos os seus aspectos.
É impossível deixar de identificar esses três estágios na trajetória humana de Nhô João. As vivências dessas três fases estão perfeitamente definidas, bem como a firmeza da decisão da passagem para o estágio religioso, com todas suas conseqüências.Ainda há um outro aspecto de Kierkegaard que pode ser utilizado neste raciocínio. O filósofo dinamarquês não considerou relevante a busca por uma única verdade. Para ele, mais importante do que saber se existe uma verdade, é saber se podemos abraçar essa verdade. Dessa forma, mais importante do que saber se o cristianismo é verdadeiro, é saber se o cristianismo é verdadeiro para o indivíduo - na visão de Kierkegaard.
Assim sendo, considerando que a existência é curta demais para ficarmos reduzidos à contemplação, Kierkegaard entende fundamental a ação humana: ao fazemos opções no campo religioso, devemos ir às últimas conseqüências.
A conferir no prefácio do texto "O Desespero Humano ( doença até a morte )", de Kierkegaard: "Ousarmos sermos nós próprios, ousar-se ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, só face a Deus, isolado na imensidade de seu esforço e da sua responsabilidade: eis o heroísmo cristão, e confesse-se a sua provável raridade; mas haverá heroísmo no iludirmo-nos pelo refúgio na pura humanidade, ou em brincar a ver quem mais se extasia perante a história da humanidade? Todo o conhecimento cristão, por estrita que seja de resto sua forma, é inquietação e deve sê-lo, mas essa mesma inquietação edifica. A inquietação é o verdadeiro comportamento para com a vida, para com nossa realidade pessoal e, conseqüentemente, ela representa, para o cristão, a seriedade por excelência".
Em suma, para Kierkegaard prevalece a verdade individual sobre a verdade única, valendo a concepção de mundo que cada pessoa tem, advinda de seu repertório formativo e informativo. Em João de Camargo, esses elementos são rigorosamente nítidos, mais especificamente na capelinha, que reproduz materialmente a visão do Eterno que o ex-escravo teve na Cruz do Alfredinho. Na capelinha está presente a interpretação daquilo que Nhô João vivenciou no plano espiritual: é a leitura que fez, conforme sua bagagem repleta de simplicidade, singeleza e espiritualidade. São as verdades plurais e cristãs de João de Camargo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário