6 de novembro de 2015

A anunciação de João de Camargo


João de Camargo foi uma dessas pessoas que, a seu tempo, se revelaram "seres especiais", dotados de poderes misteriosos e predestinados a cumprir certas missões em seu meio, após terem vivido experiências mitológicas, esotéricas, místicas ou religiosas; a seu tempo, pois, foi que ele veio a saber o que lhe foi anunciado por Rongondongo, quando da visão que teve certa noite, aos pés da cruz do pequeno mártir Alfredinho:

Tu hás de ser
Aquele da nossa cor,
o escolhido para mostrar ao mundo
o poder de Deus*

*Genésio Machado
Livro: JOÃO DE CAMARGO E SEUS MILAGRES

2 de novembro de 2015

O desencarne de Nhô João e seus fiéis seguidores...



Entre seus seguidores, houve gente que não acreditou no que viu e ouviu, e que até mesmo ficou esperando, para dali alguns dias, no máximo, que ele retornasse à vida como um ressuscitado...
Mas ele de fato tinha ido embora: uma das crentes, dona Isaura, conta que, no dia em que ele morreu, o irmão dela, de nome Benedito, "quando tirava água do poço, largou da corda, olhou para o céu e gritou para a família:'Venham todos ver! Os anjos da guarda estão levando Nhô JOÃO DE CAMARGO. Venha ver Isaura!'".*

A devoção, que havia muito despertara, desde o início do século, em vez de dissipar com sua partida, muito ao contrário, começou a crescer:  após sua morte, não apenas sua capela, mas, também, seu túmulo, no cemitério, locais de seu culto, foram palco e testemunha do aumento contínuo do número de seus seguidores, pelos quais for sempre tratado com profundo respeito místico-religioso, dentro das diferentes correntes que o multifacetado sincretismo brasileiro originou.

É um Santo!...
É um espírito de Luz!...
É nosso Pai!...**

*- O trecho aspeado é parte da entrevista de dona ISAURA DE OLIVEIRA BORGES, concedida ao jornalista Alcir Guedes e publicada no Jornal da Cidade (06 de Maio de 1984)

**- Crentes anônimos em frente a Capela do Bonfim, falando sobre Nhô João.



30 de outubro de 2015

Lembranças de PAI JOÃO DE CAMARGO



Foi um pouco depois das Águas de Oxalá e da tradicional procissão do Senhor do Bonfim, isso no ano de 1942, época em que a espada de Ogum esquartejava o mundo, foi quando o bom Pai JOÃO DE CAMARGO começou a sentir que estava perdendo forças, piorando da saúde por causa da incômoda canga que lhe pesava nas costas, já com tantos avançados Janeiros, o que fazia com que chegasse ao fim daquele inverno enfraquecido e acamado, se bem que ia sendo tratado com todo desvelo por Nhá Virgínia, dedicada mãe preta, seguidora fiel.

Assim, logo que veio a primavera, quando foi lá pelos dias de Festa dos Ibêji, que, nesse ano, pelo que parece, nem graça teve, Pai João começou a ficar muito mal, e então aconteceu, um dia depois das comemorações das crianças para os santos COSME e DAMIÃO, como que para marcar a dualidade eterna dos seres e dos ciclos, aconteceu que foi quando o "santo negro" tomou rumo de Aruanda.

29 de outubro de 2015

A trajetória de uma vida dedicada a caridade | História de JOÃO DE CAMARGO



JOÃO DE CAMARGO era um negro, "o preto velho e bom da Água Vermelha"***, um negro que refletia em sua pele os sofrimentos e os mistérios das nações africanas e das confrarias do Rosário e de São Benedito; negro que trazia, em seu corpo, as marcas dos navios negreiros, dos eitos e das senzalas, negro que cadenciava seu coração nas batidas dos atabaques nos batuques dos terreiros, dos calundus e das congadas; e que  se deixava levar, em suas meditações, por antigos sons das línguas ancestrais, dos longínquos cafundós do Mali, de Angola, do Lucumi...

Atotô Obaluaiê!...
Kabiyesi Olutapa Lempê!...
Atotô, Babá!...


***O trecho aspeado está no necrológio de João de Camargo, escrito pelo jornalista JURANDIR BADINNI ROCHA e publicado no Jornal Cruzeiro do Sul em 29 de Set. de 1942


18 de julho de 2015

A RENOVAÇÃO DE JOÃO DE CAMARGO




Assustado e atrapalhado, João arremessou a garrafa de bebida para longe e correu, meio desvairado, em direção ao córrego, talvez para acabar com sua vida naquelas águas vermelhas, como se estivesse querendo fugir da presença da visão, que continuava, entretanto, a lhe falar com mansidão.

Estavam todos sobre a cruz;
João com tamanho espanto,
Saiu correndo pela mata
Quando ouviu a voz do santo.

Nesse momento, João sentiu uma força que o impediu de continuar com seu gesto tresloucado: desistiu da fuga e da intenção de acabar com a própria vida, cedendo ante o terrífico e maravilhoso,e  voltou à cruz, à calunga, ouvindo a voz a lhe dizer:
"Que fazes, João? Isso é um pecado! Para e reflete!".
O negro, assustado e perplexo, mal compreendendo o que acontecia, e paralisado perante o mágico que se apresentava diante dele, ponderou sobre o que via e ouvia, persignou-se ante a Cruz do Menino Alfredinho e, arrependido e pedindo perdão, caiu de joelhos, submetendo-se ao sobrenatural.
continua...

9 de julho de 2015

O DESPERTAR DE UM NOVO HOMEM| Parte I



Certa noite, já no ano de 1906, João chegara para rezar junto à Cruz do Alfredinho sob o cambará que lhe dava abrigo e, após ter acendido uma vela, ali ficara rezando e meditando, até que adormeceu de cansaço, depois de beber um goles da garrafa que trazia consigo (ainda antes do "chamado" João de Camargo era alcoólatra, vício que infelizmente toma muitos nos dias idos e atuais). Acordou horas depois com o barulho dos trovões e o brilho dos relâmpagos que anunciavam uma enorme tempestade. Sobressaltado, João voltou do sono e ouviu nitidamente uma vos que lhe dizia: "Ainda continuas a desobedecer-me? Será que não me entendes? Será que não queres mesmo cumprir as ordens que trago do Altíssimo? Vamos, João!"
Estupefato, João olhava para aquela imagem de mulher de rosto lindo, envolvido em uma auréola de brilho, um rosto que se parecia com alguém conhecido. Ela continuava a lhe falar: "Vamos, João, põe fora essa garrafa.
Prepara-te para receber a incumbência de uma missão para a qual foste eleito pela bondade e misericórdia de Deus".
Continua...

7 de julho de 2015

A ESCOLA DA ÁGUA VERMELHA




A reportagem divulgada pelo jornal Cruzeiro do Sul na semana passada, sobre o início da escolarização do negro em Sorocaba, que teve a colaboração do místico João de Camargo, despertou lembranças em dois irmãos que estudaram na escola fundada por Nhô João. Conforme eles, o prédio ainda está em pé. Nos livros e registros sobre João de Camargo, há poucas informações sobre a escola, não sendo possível saber detalhes do funcionamento, como por exemplo se existiram dois prédios. De acordo com Claudinei Brito, administrador da Associação Espírita e Beneficente Capela do Senhor do Bonfim, conhecida como Capela de João de Camargo, é provável que tenha sido inaugurado inicialmente um prédio, na década de 1930, mas que teria sido desativado depois que a ex-esposa de João de Camargo, Escolástica do Espírito Santo, herdou parte do terreno do místico, justamente onde ficava a escola, que com o passar dos anos foi demolida. A instituição de ensino, então, teria mudado para o prédio anexo à igreja e permanecido, conforme registros, até pelo menos 1961. O local continua o mesmo até hoje. 
José Luiz Negrão, 65 anos, e Domiciano Negrão, 64 anos, contam que frequentaram a Escola Mista da Água Vermelha, no prédio anexo à igreja. Em visita ao espaço, eles lembraram da professora, Ondina Campolim, da distribuição das carteiras, das travessuras e também dos castigos. "A dona Ondina vinha dar aula de charrete, algumas vezes nos escondíamos debaixo da ponte, esperávamos ela passar e aí a gente matava aula pra ir nadar", conta José.
Os dois estudaram ali porque a avó, dona Maria, morava em uma casa pertencente à Capela, onde hoje funciona o velário. "Nossa avó morava com o tio Lupércio. Ele tomava conta da capela, por isso residiam ali", diz Domiciano.
Marlene do Carmo Yoshino, 65 anos, prima de José e Domiciano, afirma ter ouvido falar que a primeira escola foi desmanchada depois da morte de João de Camargo. "Não tenho certeza quando iniciou a outra escola, mas também estudei lá em 1956."

Alzira Belini das Neves, 90 anos, mora há mais de 60 anos no terreno onde teria funcionado o primeiro prédio da Escola Mista da Água Vermelha. Dona Alzira disse que não chegou a ver a escola funcionando, mas é testemunha de que o prédio existiu. Ela conta que quando se mudou para lá, fazia oito anos que João de Camargo tinha falecido e a ex-esposa dele, Escolástica, morava ali. 
José Carlos de Campos Sobrinho, o Zeca, co-autor juntamente com Adolfo Frioli do livro João de Camargo de Sorocaba - O nascimento de uma religião, publicado em 1999, afirma que "o correto é se fiar mesmo nos depoimentos orais". Conforme ele, o salão que fica anexo à Capela, à esquerda, é que foi apontado como sendo a escola, mas ele não chegou a conhecer a dona Alzira. "Documento acho que nem existe. Se eu tivesse ouvido outra informação naturalmente teria procurado. Essa é uma nova informação e acredito que outras podem surgir."

Baseado em suas pesquisas, Zeca afirma que pela atitude de ter fundado uma escola, João de Camargo foi citado em uma reportagem publicada no Diário Nacional de 27 de julho de 1930. Esse jornal carioca o apontou como um exemplo para a política educacional do País. Um negro, ex-escravo e analfabeto, dando mais importância ao ensino do que os órgãos públicos.
Zeca ainda lembra que este ano completam-se 100 anos que João de Camargo criou em sua igreja a Associação Espírita e Beneficente Capela do Senhor do Bonfim, que só foi reconhecida como pessoa jurídica em fevereiro de 1921. Este também é o centenário de fundação de outra iniciativa de João de Camargo, o Grupo Musical São Luís, que animava cordões carnavalescos de Sorocaba.

POEMAS E HOMENAGENS A NHÔ JOÃO




A Felicidade forma uma equação de grande valor de vida:
 
 
 
Equação: F= PN + CP + PC + FF
 
 
 
                   F = Felicidade
 
                   PN = Posse do Necessário
 
                   CP = Consciência Pura
 
                   PC = Prática da Caridade
 
                   FF = Fé no Futuro
 
Observação: aplicando esta fórmula na própria vida, cada um estará vivenciando em si mesmo a sua Felicidade!
 
  
FELICIDADE é também a FELIZ IDADE!
 
 
Cada um deve procurar viver bem o seu momento, com toda intensidade a sua “Feliz Idade”, pois cada um tem a sua no momento presente!
 
“Viva bem para alcançar a sua Felicidade hoje! Agora! Em cada instante!
 
Tenha sempre a sua “Feliz Idade”!
 
FELICIDADE!
 
Colaboração de: Antonio Paulo Malzoni

ACUSAÇÕES CONTRA O TRABALHO DE NHÔ JOÃO NO JORNAL CRUZEIRO DO SUL



De todas as partes do Estado costumavam vir a esta cidade, atraídos pela fama do curandeiro JOÃO DE CAMARGO, inúmeros forasteiros, à procura de remédios que, dizem, este indivíduo fornece para cura de todas às moléstias. Toda essa gente, porém, vai invadindo os terrenos e chácaras ali existentes e nas proximidades, soltando animais nos pastos, sem a respectiva licença do dono, danificando plantações e sortindo-se anda de tudo que encontram.*

Dezoito vezes fora preso,
Porém, sempre resignado,
Obedecia ao protetor,
Que estava sempre ao seu lado.

* Cruzeiro do Sul, 16 de abril de 1913. Texto inicial que abria um inquérito contra o trabalho de Nhô João.
Tema: "A Policia"
Ficou comprovada a falsidade da denúncia anônima, com a absolvição posterior de João de Camargo no Tribunal do Júri.

FILME CAFUNDÓ COMPLETO

FATOS DA VIDA DE JOÃO DE CAMARGO



A história do terno do capitão

Isaura contou uma série de casos envolvendo Nhô João ao jornalista Alcir Guedes. Começamos com a história do terno do Capitão Grandino. Em um certo 1º de Janeiro, dia que a imagem de Nossa Senhora Aparecida deixa a igreja de Aparecidinha e segue nos ombros do povo até a Catedral de Sorocaba, Nhô João queria participar da festa. Mas, em dificuldades, não tinha uma roupa decente para acompanhar a imagem Santa. Ir com seus andrajos seria falta de respeito. De repente, uma rápida olhada no varal da casa do Capitão Grandino, para quem trabalhava, e o problema estava resolvido: balançando ao vento estava um bonito terno branco que lhe servia como se tivesse sido feito sob medida. Não teve dúvidas: apanhou o terno e, todo formoso e elegante, foi encontrar a Santa. Na volta, tirou o terno alheio, lavou, alisou bem e devolveu-o ao varal de onde o havia tirado. No dia seguinte, em vez de se enfezar, o Capitão Grandino, dono do terno, riu muito quando soube da história e deu a roupa de presente a Nhô João, dizendo que a usasse sempre que fosse participar da romaria.
Ela lembrou ainda que Nhô João também trabalhou para seu bisavô, Francisco Antônio Santos de Oliveira, que foi casado com uma índia "a quem deu o nome de Ana". Os laços que uniam a família de Isaura a Nhô João foram ainda mais estreitados com episódio envolvendo seu filho Armentino. Aos três anos de idade, o menino ainda não andava como as outras crianças, apenas se arrastava pelo chão ou engatinhava. Ela afirmou que cansou de levar Armentino a diversos médicos e a benzedeiras, até que seu marido, Antônio, levou o menino para Nhô João ver. "Daqui a três dias sua mulher venha conversar comigo", disse ele. No dia aprazado, Isaura lá esteve e ouviu estas palavras de Nhô João: "Mecê tem uma missão: fazer caridade. E mude de casa. Bem depressa". Depois de lhe dar algumas folhas para fazer banhos para Armentino, Nhô João disse: "E tem mais. Na festa de São João, em Votorantin, visto o menino de São João e, com ele, acompanhe a procissão. Mecê tem fé? Se tem, vai dar tudo certo".
Isaura fez tudo o que Nhô João determinou. E, segundo ela, a fé fez milagre: durante a procissão, Armentino, devidamente vestido como São João, começou a andar pela primeira vez em seus três anos de vida, sob as lágrimas da família. Ela disse que deixou uma foto do filho na igreja São João Batista, em Votorantin, para perpetuar a memória da cura.
O jornalista Alcir Guedes contou ainda o caso do músico Avelino Soares, que era mestre da Banda João de Camargo e trabalhava na Fábrica Fonseca, na rua Francisco Scarpa. Ele morava com a família na vila de Nhô João, na Água Vermelha, quando lhe saiu em furúnculo debaixo do braço, o que o impossibilitou de trabalhar por mais de quinze dias. A família começou a passar necessidades. Nhô João, percebendo o que ocorria, mandou entregar uma compra para seu mestre da banda. Valente, Avelino tentou cortar lenha naquela mesma tarde, sem conseguir, pois estava sem forças no braço afetado. 
Nhô João, que tudo assistia de longe, mandou que alguém fosse ajudar Avelino. Chamando-o, disse: "Mestre Avelino, vou curar mecê com ajuda do Senhor. Vá até aquele campo e logo no começo do caminho, assim pelo lado direito, arranque uma touceira de capim Favorito".Confuso, Avelino explicou que não conhecia esse tipo de capim. Nhô João replicou: "Vá que mecê vai por a mão exatamente em cima dele. Leve para sua casa, ferva nuns dois litros de água e banhe o braço, no lugar do tumor. Faça isso hoje e amanhã volte para o serviço". No dia seguinte, Avelino estava curado: o furúnculo vazara durante a noite e o braço readquirira sua força e movimentos normais.
O trabalho de Guedes faz referência ainda a um fotógrafo chamado Barbosa, que aos domingos e dias santos tirava retratos na porta da capelinha. Afinal, as pessoas que vinham visitar a capela, agradecer uma cura ou uma graça recebida, faziam questão de deixar uma fotografia em uma sala da igrejinha, fosse nos pés de alguma imagem de santo, fosse perto do retrato do Monsenhor João Soares.
Alcir Guedes redigiu desta forma o final do último parágrafo da segunda reportagem de uma série de quatro sobre Nhô João: "Barbosa ajeitava a pessoa, colocava o maquinão no ponto, avisava 'agora quieto', enfiava a cabeça no pano preto e disparava uma lâmpada que enchia de fumaça o ambiente: 'daqui a pouco entrego o retrato...'. Chegava o seguinte e repetia-se a cena por todo o dia, principalmente aos domingos e dias santos. Nos outros dias, o Barbosa tirava fotografias, com o mesmo processo, no Largo do mercado (...) Mais dois detalhes: Barbosa tinha um circo, cujos integrantes eram moradores do próprio bairro. O circo nunca saiu de Sorocaba. Barbosa também escreveu dois livros sobre João de Camargo, que se evaporaram nas mãos do povo".

3 de julho de 2015

ORAÇÃO DE JOÃO DE CAMARGO



GUIA Glorioso JOÃO DE CAMARGO, vós que tem a graça recebida de Deus de defender-nos contra o mal, e nos ajuda a receber o bem, peço-vos Senhor, que retire todo mal, que nos tortura, defendei-nos também contra as pessoas que nos desejam mal.
Livrai-nos das invejas que nos perseguem em nossos lares e onde estivermos trabalhando.
Assim seja
Com a prece ao senhor JOÃO DE CAMARGO
Será abençoado por DEUS

JOÃO DE CAMARGO BARROS
* 05/07/1858
 -|- 28/09/1942   

Faça esta prece todos os dias pela manhã ou a noite!
Deixe uma vela branca consagrada a Deus, a seu anjo de guarda e a JOÃO DE CAMARGO

FATOS DA VIDA DE NHÔ JOÃO



Prisões
A série de reportagens de Alcir Guedes informa que dezoito vezes João de Camargo Barros foi preso pelas autoridades. Alegação: curandeirismo. Pressões, naturalmente, advindas dos meios eclesiásticos e policiais, que lhe faziam fortíssima oposição. Por ocasião de sua última prisão, vendo que Nhô João continuava a fazer suas curas apesar de terminantemente proibido pelas autoridades ( pois continuava a ser procurado pelos necessitados, a quem jamais fechou as portas ), o delegado disse - lhe que registrasse a capela como centro espírita e aí sim poderia continuar curando e benzendo. Foi o que Nhô João fez. As prisões cessaram, mas a campanha contra ele continuou intensa.
O número de prisões coincide com a pesquisa de Tortello, que atribui a informação ao fotógrafo Barbosa Prado, que as teria colocado em forma de vezes.
Há referências ainda a um fato relevante: as autoridades policiais fecharam a capelinha no ano de 1913. As pressões intensas fizeram com que Nhô João fosse processado por curandeirismo. Mas ele foi absolvido pelo Juiz Rodolfo Ferreira Santos e a igreja foi reaberta. Segundo Nelson Casagrande Júnior, perito da Polícia Técnica, o inquérito simplesmente desapareceu.
Apesar de tudo, João de Camargo prosseguia fazendo o bem. Seus remédios eram simples folhas e água fluidificada. Na realidade, o que curava mesmo era a fé, e isso João de Camargo fazia questão de deixar claro aos que o procuravam. Sabe - se atualmente, por experimentos científicos ( sugere - se a leitura da revista Isto É, edição de 31/05/98, página 142 ), que a fé é uma poderosa aliada do homem, com reflexos positivos inclusive no corpo físico, estando provado que quem tem verdadeira fé é mais capacidade a superar doenças do que aquele que é descente. Série de coisas simples: a fé aumenta a autoconfiança, diminui a ansiedade, funciona como calmamente natural. Não tem contra - indicações.
Mas ele nunca obrigou ninguém a fazer nada. Nunca foi procurar quem quer que fosse para oferecer seus trabalhos. Quieto, humilde e discreto, não se furtava a ajudar quem o procurava, tendo suas portas sempre abertas para ricos ou pobres. E, principalmente, fez o bem a pessoas necessitadas e jamais voltou - se contra seus perseguidores, cumprindo ao pé da letra o ensinamento de Jesus Cristo, que manda oferecer a outra face a quem lhe esbofetear. Foi tratado como marginal - coisa que nunca foi - e taxado de curandeiro - quando devia ser chamado de curador, pois de fato curava. Os depoimentos dão conta de que Nhô João, antes de curar o corpo do necessitado, curava - lhe primeiro a alma, repondo - lhe generosas doses de fé em Deus e amor ao semelhante.
Ocorre que a natureza da revelação que foi dada ao ex-escravo não comportava exclusões. Para Nhô João, todas as pessoas eram importantes, mesmo aquelas que o detratavam; em seu estilo simples, cuidava de corrigir, orientar e recolocar no caminho certo aqueles que estivessem fora do rumo da caridade e da solidariedade. Nunca deixou de recomendar aos que o procuravam em busca de auxílio que não deixassem jamais de lado os ensinamentos da Igreja Católica. A fé de João de Camargo era plural, era universal em sua singeleza e simplicidade. 
As mãos que davam a cura eram as mesmas mãos que ajudavam materialmente os pobres, de quem João de Camargo jamais descuidou. Dava - lhes onde morar, o que comer, com que se vestir. A pobreza ali jamais foi envergonhada, mas sim decente e digna. Um de seus grandes aliados, segundo o trabalho de Alcir Guedes, foi o Capitão Grandino, que comparecia com auxílio material, doando tijolos e outros materiais de construção, utilizados na edificação da capelinha.

O ESCRAVO JOÃO



Escravo de Camargo Barros

Como todos os outros negros tirados á força da terra-mãe África, os antepassados de João deixaram identidade e memória nos porões de algum dos infames navios negreiros. Era só João. Como era escravo da família Camargo Barros, em cujas terras trabalhava, deles herdou o sobrenome. Virou João de Camargo Barros. O detalhe infamante: "de" do sobrenome pode ser entendido também como indicativo de propriedade. Era João de Camargo Barros, como o moinho de Camargo Barros, o campo de Camargo Barros...
Escravo não tem direito a memória, assim como não existe versão de quem perdeu a batalha. Os perdedores simplesmente perdem, não lhes é dado contar histórias. O que se sabe da ascendência de João?
Histórias e versões que se perdem no tempo. Resgatar a trajetória de qualquer ser humano no planeta é trabalho complicado, quanto mais a história de Nhô João, assunto que mexe com valores extremamente íntimos das pessoas, principalmente aquelas que o conheceram ainda em vida na Terra. Diversos autores, sorocabanos ou não, ocuparam - se de escrever essa rica e complexa biografia. Creio que todos tenham tido uma dificuldade comum:não raro, um mesmo episódio da vida de Nhô João aparece com duas ou mais versões, como costuma acontecer quando, lanterna na mão, retornamos ao passado em busca de uma história.Impreciso, envolto numa densa nuvem de incertezas, o passado se nos apresenta multifacetado, não raro confuso; não sendo improvável que algum dos autores - este inclusive - tenha derrapado em alguma das múltiplas armadilhas que se sucedem na pesquisa. 
Não que se atribua necessariamente dolo ou má-fé ao entrevistado ou fonte imprecisos. que assuntos dessa envergadura trazem consiga uma fonte carga de emoção e, nessas condições, é difícil manter a isenção e a precisão no fornecimento da informação solicitada. Portanto, é preciso garimpar, selecionar, classificar, armazenar, atribuir diferentes pesos e níveis de importância, e só a partir daí procurar esboçar o desenho lógico do texto.
Não se fie o leitor: todos estes cuidados garantem, no máximo, um erro diferente. Mas talvez haja algum acerto também. isto posto, vamos em frente. Entre outros que se dedicaram ao assunto temos Antônio Francisco Gaspar - autor do livro Cruzes e Capelinhas -, Fernando Antônio Lomardo e Sônia Castro - autores do livro O Solitário da Água Vermelha -, Paulo Tortello - membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba e da Academia Sorocaba de Letras, autor de fundamentada pesquisa sobre o tema, intitulada João de Camargo, o Milagreiro de Sorocaba -, Florestan Fernandes, Genésio Machado - autor do livro João de Camargo e seus Milagres - e A.C. Guerra da Cunha - que apresentou versões extremamente interessantes em artigo publicado no Jornal Diário de Sorocaba, em 1981-, além do Jornalista Alcir Guedes - que publicou uma série de quatro reportagens no extinto semanário A Cidade, em 1984. Podemos citar ainda Afolfo Frioli, Rogich Vieira e o professor Benedito Cleto. Há, certamente, outros autores que não foram alcançados por este trabalho.
O que sabemos do passado: nos idos de 1858, provavelmente em junho ou julho, nasceu um bebê do sexo masculino, a quem foi dado o nome de João, na fazenda do Cocais, de propriedade de Luís de Camargo Barros. Não há referências ao pai. Era filho da escrava Francisca, mais conhecida como Nhá Chica e, segundo o sociólogo Florestan Fernandes, "dada a práticas de curandeirismo". Já Fernando Antônio Lomardo e Sônia Castro mencionam a escrava como grande conhecedora de ervas e iniciadora de Nhô João no universo das curas espirituais. Voltando aos fatos: há também duas versões, sobre o destino inicial de Nhô João. No dizer de Fernando Antônio Lomardo e Sônia Castro: "negrinho dado para a família Camargo Barros com seis anos de idade e passou a ser pajem da recém-nascida da família, Emília Camargo Barros, de quem foi dedicado criado até seu casamento". No entanto, A.C. Guerra da Cunha, mencionado na pesquisa de Paulo Tortello, informa que Nhô João foi doado á família Camargo Barros com um mês de vida, já sendo sua propriedade quando do nascimento da menina.
Como não se sabe o dia exato, seu nascimento passou a ser comemorado no dia de seu batismo, que ocorreu na Igreja de Sarapuí em 5 de Julho de 1858, em cerimônia conduzida pelo Frei Jerônimo. Segundo Paulo Tortello, sua apresentadora foi Gertrudes de Barros, seu padrinho foi José de Camargo Barros e sua madrinha a Padroeira de Sarapuí, Nossa Senhora das Dores.
Já se mencionou acima que a "parte África", se é que a podemos chamar assim, de Nhô João foi herdada de sua mãe, a escrava Nhá Chica, que teria lhe transmitido seu repertório de valores, tradições e costumes. Por sua vez, a iniciação de Nhô João nos valores católicos foi feita dentro da casa da família Camargo Barros. A dupla Lomardo/Castro atribui essa função a Luís de Camargo Barros, dono de Nhô João. Já Tortello indica sua sinhá, D. Ana Tereza de Camargo, católica devota e praticante, como a iniciadora na religião. De qualquer maneira, as pistas da formação católica de Nhô João apontam coerentemente para dentro da casa dos Camargo Barros.
Depois do casamento de Emília ( A.C. Guerra da Cunha informa que seu nome completo era Emília Almeida de Camargo Barros ), Nhô João foi trabalhar na roça até chegar a Sorocaba, aos 22 anos de idade, no ano de 1880. Afirma - se que ele trabalhou, entre outros, com o médico Ignácio Pereira da Rocha, o engenheiro alemão identificado apenas como Dr. Cosme e Elias Lopes Monteiro. Tortello menciona ainda Deodoro Gonçalves e Waldomiro Baddini.
Depois da Abolição e da República, ficou livre. Sabe - se que esteve em Itararé no ano de 1893, servindo como voluntário no Batalhão Paulista que combateu a revolução de Gumercindo Saraiva. Após o retorno, consta que Nhô João foi trabalhar como camarada na propriedade de Justiniano Marçal de Souza. 

Fatos da vida de NHÔ JOÃO


A passagem
O trabalho de Alcir Guedes descreve ainda como um irmão de Isaura de Oliveira Borges, identificado apenas como Benedito na reportagem, percebeu a morte de Nhô João de Camargo: "Naquele tempo, nossa família morava na rua Guaianazes. Meu irmão Benedito, quando tirava água do poço, largou da corda, olhou para o céu e gritou para a família: Venham todos ver! Os anjos da guarda estão levando Nhô João de Camargo".
Foram à capela. De fato, o ex-escravo estava morto. Era o dia vinte e oito de Setembro de 1942. Nhô João de Camargo deixava esta existência exatos 84 anos, dois meses e 23 dias depois do seu batismo.
Na pesquisa de Paulo Tortello, informar-se que o necrológico do "preto velho e bom da Água Vermelha" vinha assinado por Jrandyr Baddini Rocha, redator-chefe do jornal Cruzeiro do Sul, que mancheteara no alto da primeira página: Morreu João de Camargo.
Quem assistiu, conta que o enterro foi um dos mais concorridos da história de Sorocaba. Uma dessas testemunhas entrevistadas por Alcir Guedes foi Antônio Moreno Borges. Segundo ele, uma multidão - cerca de seis mil pessoas, o maior féretro já registrado até então na cidade - acompanhou orando o sepultamento de Nhô João: a imensa maioria composta de pessoas pobres e humildes, do povo sofrido a quem Nhô João dedicou seu trabalho. Mas havia também alguns carros, raros na época, pertencentes a pessoas mais abastadas, a quem Nhô João também nunca negou auxílio.
O caixão foi levado nas mãos de populares. Segundo Antônio declarou a Guedes, pouco antes do caixão passar à sua frente, as portas da Catedral foram fechadas, pois não se queria que o corpo adentrasse a ela. Ele conta que o cortejo parou alguns instantes à frente da Catedral, mas apenas para que o caixão trocasse de mãos. Antônio narra: "Ninguém condenou os padres. Era uma ordem da própria igreja, que não recebia corpos de suicidas, de macumbeiros. Mas havia uma diferença com Nhô João: ele não era macumbeiro, não era assassino, não era suicida. Nada disso. Ele era um homem de coração muito bom. Era mais santo do que pecador e mais anjo do que humano. Foi uma injustiça que fizeram com ele".
Foi sepultado no Cemitério da Saudade. Cerca de seis anos depois, João Mena, devoto, erigiu sobre o túmulo uma reprodução da Capela do Senhor do Bonfim. O túmulo é, como a capelinha, ainda hoje muito procurado pelas pessoas, que deixam lá pedidos de toda ordem. Os devotos acendem velas, oram, meditam e deixam flores sobre o túmulo. Exatamente como Nhô João de Camargo fazia na Cruz do Alfredinho, cerca de cem anos atrás.

BIOGRAFIA DE JOÃO DE CAMARGO


Onde situar Nhô João ?
Como todos os homens, Nhô João nasceu, viveu e morreu, cumprindo o ciclo comum. Teve uma trajetória, fez suas opções, em determinado momento de sua vida elegeu suas convicções e passou a viver de acordo com elas. Como pode acontecer com todos os homens , teve seus momentos de dúvidas, desesperos, enganos, erros e desacertos, até encontrar um caminho que considerou correto e trilhou por ele, sem medo e sem duvidar da força da fé. 
Contrariou padrões estabelecidos, penou por isso, mas ninguém pode duvidar da autenticidade poderosa de sua fé e da encantadora singeleza de sua mensagem universal. Sem discriminar ninguém, a todos atendendo com bondade, Nhô João vivenciou um mundo plural, que tem lugar para todos os homens viverem em união; que tem lugar para todas as crenças; que tem lugar para todas as correntes de opinião, mesmo aquelas professadas pelos que a combateram. Tratou seus detratores com doçura, não se sabendo de mal que tenha tido origem em seu coração. Sua mensagem pode ser entendida em resumo como a prática da caridade e o exercício da fé em Deus. Este trabalho não pretende ser um ensaio filosófico, mas é impossível deixar de fazer algumas relações e associações ao analisarmos alguns aspectos da existência de João de Camargo Barros.
Segundo Jostein Gaarder, autor de "O Mundo de Sofia", o existencialismo - corrente de pensamento que entende ser o homem na sua existência concreta o objeto próprio da reflexão filosófica - foi iniciado pelo filósofo dinamarquês Sören Aabye Kierkegaard ( 1813/1855 ). Uma vez condenado à liberdade, surge o homem como arquiteto de seu destino, embora submetido a limitações concretas. Existencialista cristã, para Kierkegaard a questão da fé é uma das mais importantes da existência humana, notadamente a fé religiosa. Em sua opinião, não se pode nem se deve entender Deus objetivamente, pois a questão da fé em Deus e na ressurreição de Jesus Cristo é eminentemente subjetivo. Ou seja, Gaarder ensina que, na contramão de outras correntes de opinião que tentaram provar a existência de Deus pela razão, Kierkegaard acha que se queremos entender Deus objetivamente é porque não cremos, e só cremos porque não podemos entender objetivamente. Ou seja, lançar-se em busca dessa verdade, a crença na existência de Deus - ou, no caso dos cristãos, acreditar que efetivamente Jesus Cristo ressuscitou no Domingo de Páscoa -, é uma questão crucial e estritamente pessoal com a qual todo indivíduo vai ter que se deparar em algum momento de sua vida. É esse crer ou não crer que faz a diferença para Kierkegaard, para quem, se cremos, não temos alternativa senão irmos fundo nessa fé religiosa, vivenciando-a às últimas conseqüências.
Kierkegaard, a partir de uma perspectiva cristã, também dividiu a existência humana em três estágios possíveis: estético, ético e religioso. Ele utiliza o termo estágios por comportar a possibilidade de transmigração de um para outro em determinados momentos.
No estágio estético, o indivíduo vive em função de seus prazeres, do que é sensorialmente agradável e propicia algum tipo de prazer. Ao mesmo tempo em que extrai prazer dessa vivência intensamente lúdica, Kierkegaard acredita que o indivíduo vira uma espécie de escravo de seus próprios desejos. No limiar da passagem para o estágio ético, o ser sente a necessidade de adotar decisões mais consistentes na esfera pessoal, cientificando-se da gravidade da vida. É o momento em que as decisões são tomadas não para a satisfação do prazer física ou não, mas sim obedecendo a parâmetros éticos rigorosos. Kierkegaard afirma ser possível um retorno do indivíduo ao estágio estético no final da existência, oportunidade em que - cansado de levar a vida a sério demais e vislumbrado o fim próximo - retorna a priorizar os aspectos lúdicos da vida. Porém, acredita Kierkegaard, pode acontecer, para pouquíssimas pessoas, uma sublimação, com o salto de qualidade do estágio ético para o religioso, que o filósofo interpreta como a vivência integral do cristianismo em todos os seus aspectos.
É impossível deixar de identificar esses três estágios na trajetória humana de Nhô João. As vivências dessas três fases estão perfeitamente definidas, bem como a firmeza da decisão da passagem para o estágio religioso, com todas suas conseqüências.Ainda há um outro aspecto de Kierkegaard que pode ser utilizado neste raciocínio. O filósofo dinamarquês não considerou relevante a busca por uma única verdade. Para ele, mais importante do que saber se existe uma verdade, é saber se podemos abraçar essa verdade. Dessa forma, mais importante do que saber se o cristianismo é verdadeiro, é saber se o cristianismo é verdadeiro para o indivíduo - na visão de Kierkegaard.
Assim sendo, considerando que a existência é curta demais para ficarmos reduzidos à contemplação, Kierkegaard entende fundamental a ação humana: ao fazemos opções no campo religioso, devemos ir às últimas conseqüências.
A conferir no prefácio do texto "O Desespero Humano ( doença até a morte )", de Kierkegaard: "Ousarmos sermos nós próprios, ousar-se ser um indivíduo, não um qualquer, mas este que somos, só face a Deus, isolado na imensidade de seu esforço e da sua responsabilidade: eis o heroísmo cristão, e confesse-se a sua provável raridade; mas haverá heroísmo no iludirmo-nos pelo refúgio na pura humanidade, ou em brincar a ver quem mais se extasia perante a história da humanidade? Todo o conhecimento cristão, por estrita que seja de resto sua forma, é inquietação e deve sê-lo, mas essa mesma inquietação edifica. A inquietação é o verdadeiro comportamento para com a vida, para com nossa realidade pessoal e, conseqüentemente, ela representa, para o cristão, a seriedade por excelência".
Em suma, para Kierkegaard prevalece a verdade individual sobre a verdade única, valendo a concepção de mundo que cada pessoa tem, advinda de seu repertório formativo e informativo. Em João de Camargo, esses elementos são rigorosamente nítidos, mais especificamente na capelinha, que reproduz materialmente a visão do Eterno que o ex-escravo teve na Cruz do Alfredinho. Na capelinha está presente a interpretação daquilo que Nhô João vivenciou no plano espiritual: é a leitura que fez, conforme sua bagagem repleta de simplicidade, singeleza e espiritualidade. São as verdades plurais e cristãs de João de Camargo.